Pesado, chato, apelativo, complicado,
entediante, demente, vulgar, cult demais: essas são as desculpas que
sempre ouvi e, em tempos, dei para deixar a obra literária de Vladimir Nabokov namorando
poeira na prateleira. Lolita é uma história polêmica, marcante e, na
minha opinião, sexy e desgraçada nas medidas certas. A segunda adaptação
para o cinema é o foco de discussão na nova categoria, cara!
Ganhei o livro de uma amiga ruiva, com ótimo gosto pra moda e mágico
olho de fotógrafa. Minha avó tinha me oferecido a história antes, mas
ninguém despertou meu interesse como essa amiga. Na dela, li o livro,
gamei e, por recomendação, assisti a adaptação de Adrian Lyne (Proposta Indecente)
enrolado nos edredons, traçando uma lata de leite condensado (o que
talvez tenha sido uma mensagem do meu subconsciente que ainda não
compreendi…).
Seria estúpido desejar que o filme contasse todos os muitos detalhes da história de Humbert Humbert lá em 1947, por isso a abertura atira na nossa cara o melhor trecho do livro, o primeiro, enquanto esse mesmo homem, coroa, professor, dirige exausto, o rosto e as mãos colados em sangue, buscando manter sobre o banco do carro o revólver e um simples clipe da cabelo. Nesse pedacinho de cena, fica claro como esse homem se sente atraído por uma menininha e que sua paixão o levou a fazer loucuras.
O filme nem chega perto da vulgaridade. Ela, com 12 anos, não é tão inocente quanto deveria ser. Ele, bem mais velho, é torturado pelos atos da criança e ainda na introdução tenta definir o porquê de se sentir maravilhado por meninas tão jovens. Lolita é a primeira que ele toca e toda a trama se desenvolve daí, de um relacionamento desfuncional, imaturo e exagerado de paixão. Mesmo com todo o jogo sexual, a vulgaridade dá espaço para gestos menos expostos de carinho, como o sarrar dos pés ou ela se sentando no colo dele para ler alguma coisa. Não espere longas cenas de sexo, muito menos claras. O filme não é sobre isso.
Filme Lolita

Jeremy Irons interpreta o professor inglês de segredos profundos,
traçando bem os limites entre um homem mascarado para a sociedade e um
charmoso cheirador de roupas infantis (é verdade) que passa a morar na
casa da viúva Charlotte Haze ― interpretada por Melanie Griffith
― em Nova Inglaterra, para ensinar francês na universidade. Essa mulher
claramente em crise, solitária, beira a insanidade em certos momentos,
se entorpecendo com remédios, odiando a beleza (subjetivamente) e
personalidade da filha, Dolores, ou, para alegria geral dos cinquentões, Lolita (Dominique Swain).
A filha é ousada, cínica, mandona, mimada e a mãe não suporta nada que
venha dela. Tanto que seu desejo é trancá-la num colégio interno e viver
em paz com o homem que poderia tapar o vazio dentro dela, nosso
professor Humbert, até descobrir quais foram as reais intenções do cara
ao aceitar se hospedar na casa da família Haze: atração doentia por
Lolita. Prestes a contar o segredo do homem, o destino move seus dados
e, num simples atropelamento, ela morre, deixando nas mãos de Humbert a
tutela de Dolores.
É aí que o limite para o relacionamento deles se mistura com longas
viagens de carro pela América do Norte, lojas de conveniência, excesso
de doces e apelidos incestuosos, como “papai”. Depois vem o ciúme, o
medo de perder, o medo de ser exposto, o medo de perdê-la, a paranóia. E
o resto é preciso ver o filme pra não perder o encanto.
Ainda está pra acontecer a adaptação perfeita do livro para o cinema, mas essa chega bem mais perto do que a primeira, de Stanley Kubrick. Em vários momentos me peguei excitado pela situação e paradoxalmente enojado, vomitando repulsa. Essa emoção despertada é exatamente o que Humbert Humbert sente, só que ainda maior! E transmitir esse tipo de coisa exige um trabalho, no mínimo, sincero.